A
gente não deve buscar a produção pelo produtivismo, mas pela estética, pela
beleza do criar e da capacidade humana de se maravilhar com o que é criado,
percebido, apreendido. Não necessariamente com um propósito maior do que o
simples deleite da construção pessoal compartilhada. O sentir gravado em palavras,
formas, trocas. Fazendo esse sentir ser dois, ter sua ponte em mais de um
universo pessoal, fazendo sentido e sentir, criando. Não que seja somente você
e sua produção, e sua criação. Poder enxergar você naquilo, sabendo que não é
só você, é toda uma conjuntura de fatores que te impulsionam, te massacram, te
extraem. E perceber a unicidade, o singular, a eventualidade. A beleza
histórico-geografada.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2016
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
CONFIDENCIAL
CONFIDENCIAL
Relatório Confidencial P/ Portaria 171.A.98
Class. A+/ Dest. 76
Class. A+/ Dest. 76
... situação, por demais crítica, força-nos, membros do Comitê Organizador, a mandar esse RELATÓRIO CONFIDENCIAL (Class. A+/ Portaria 171.A.98) para comunicar-lhes o que pôde ser analisado pela Associação dos Analisadores Concomitantes, racionalizado pela Organização Racionalista de Assuntos Irracionais e verificado pelo Verificador Universal Geral. O conteúdo deste RELATÓRIO CONFIDENCIAL (doravante R.C.), como o artigo 32.1 pár.6 emenda 7 prediz, deve estar restritos aos senhores Presidentes da Comissão Extraordinária e a possíveis suplentes, se o acaso demandar.
Foi constatada uma grave quebra na RACIONALIDADE (pausa). A A.A.C. relatou que os indicadores de racionalidade no hemisfério norte atingiram marcas assustadoras (pausa). Parece que, ao contrário que afirmava a pesquisa da Comissão de Pesquisa e Informação Para Controle, a felicidade NÃO evita o suicídio, ou os critérios para estabelecer se uma população é feliz ou não estão ULTRAPASSADOS, ou ERRADOS (pausa).
Como podem ver, é uma questão urgente e já está sendo devidamente tratada. Demitiram a cúpula do Departamento de Pesquisa, assim como foram consideradas IRRACIONAIS e INEXATAS as monografias e os trabalhos dos professores pesquisadores R. Descartas, P. Platoon, e todas as obras subseqüentes (palmas). Já foi avisada a Reitoria e a Comissão Para Crimes Contra a Razão de que as vertentes do Liberalismo devem ser combatidas (palmas).
O relatório da Organização Racionalista de Assuntos Irracionais, como é de costume, logrou êxito em objetivar a pesquisa e seu resultado (mais palmas). Ficou claro a todos, e obteve a confirmação da Mesa de Confirmação de Racionalidade, que as pesquisas sobre os países mais felizes do mundo estão erradas. Ora, se elas realmente fossem felizes, não haveria razão para se suicidarem, já que foi provado, através da famigerada monografia de D. Jeová (“A Bíblia”), que o suicídio é algo pecaminoso e errado para os humanos, e que pessoas felizes não realizam algo pecaminoso ou errado. Pois ai seriam classificados como pecaminosos e errados, pelo Departamento de Rótulos e Classificações, como manda o Art. 43.
Concluiu-se racionalmente, portanto: ou os países do hemisfério norte realmente não são felizes, e, portanto os critérios utilizados pelo Departamento de Rótulos e Classificações deveriam mudar, ou o suicídio não é algo ERRADO e PECAMINOSO (vaias).
Foi encaminhada então uma carta, legitimada pela Corte Suprema da Razão, intimando o Dr. D. Jeová a comparecer em Corte para provar sua obra como racional e verdadeira, assim como a cúpula da área de Conceituação Rotular, do Departamento de Rótulos e Classificações. Como o Dr. D. Jeová já tinha diversas intimações (lembrar do caso “Milagres”, “Mares se abrindo” e do mais famoso: “É preciso crer para ver) (vaias). De fato, o Dr. D. Jeová já vinha sendo duramente criticado, principalmente pela ala extremista, com seu líder F. Nietzsche. A razão aponta para o julgamento do conceito de suicídio (palmas).
Já foram tomadas as providências caso esse seja o veredicto (pausa). O Departamento de Rótulos e Classificações teve a bondade de informar que já até moveu o “Suicídio” para a área de “Prazeres”. Justifica-se, então, a polêmica questão sobre porque homens felizes se suicidam mais que os tristes. A razão impera sobre a irracionalidade, tudo tem sentido (longos aplausos)
Observação: É imperioso que os Presidentes da Comissão Extraordinária expulsem o herético e IRRACIONAL T. Adorno. Acredita-se que ele tenha elaborado outra explicação para o fato. Como é de conhecimento público, a verdade é única e absoluta, então Adorno está dizendo que a Corte Suprema da Razão estaria sendo IRRACIONAL. Segundo o herege, é justamente nosso trabalho que é responsável pelo alto número de suicídios. Ele afirma que, ao objetivarmos e racionalizarmos tudo, até as nossas relações, acabamos tornando o homem um simples objeto, o que causa uma angústia tremenda nesse homem-objeto, pois uma grande parte dele é ignorada. A única saída para tal objetivação seria a morte. Sendo os países do norte os mais objetivados, isso explicaria o alto número de suicídios. IRRACIONAL. Como se fôssemos nos matar por sermos objeto...
O resto do memorando encontrado na mesa do Ex-Alto Presidente da
Comissão Extraordinária está coberto de sangue, derivado do próprio.
Segundo o Comitê dos Legistas, uma bala na cabeça. Toma posse B.
Microsoft (longos aplausos).
Um trabalho de filosofia do 3o ano, que descobri entre meus arquivos... Bizarro como as vezes parece atual.
segunda-feira, 25 de janeiro de 2016
O baque aconteceu no ônibus
domingo, 22 de novembro de 2015
Ode a Norma Regina
Aos hipocondríacos apaixonados...
Ode a Norma Regina
Na escuridão que a noite derrama
Entre meus intensos gritos de dor
Clamo por ti, minha dama
Suplico por ti, meu amor
Tua redonda face,
Linda, a me fitar
Provoca o nosso enlace,
Provoca o meu amar
Pequena dama pálida amada,
Te tomo com sofreguidão,
A calma por ti me dada
Só aumenta minha paixão
Cura-me de meus males,
Sana-me a mente,
Não preciso que fales,
Quero ser seu paciente
Meu corpo febril ardente,
Precisa do teu, menina
Precisa do teu torpor clemente
Precisa de ti, Norma Regina
Tornas claras coisas difusas
De qualquer forma que me apeteça,
És tu, oh musa das musas
Que cura minha dor de cabeça!
Ode a Norma Regina
Na escuridão que a noite derrama
Entre meus intensos gritos de dor
Clamo por ti, minha dama
Suplico por ti, meu amor
Tua redonda face,
Linda, a me fitar
Provoca o nosso enlace,
Provoca o meu amar
Pequena dama pálida amada,
Te tomo com sofreguidão,
A calma por ti me dada
Só aumenta minha paixão
Cura-me de meus males,
Sana-me a mente,
Não preciso que fales,
Quero ser seu paciente
Meu corpo febril ardente,
Precisa do teu, menina
Precisa do teu torpor clemente
Precisa de ti, Norma Regina
Tornas claras coisas difusas
De qualquer forma que me apeteça,
És tu, oh musa das musas
Que cura minha dor de cabeça!
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Chuva
O velho suspirou, deitado no leito hospitalar. Já era de
noite, e ele sentia dores por todo seu corpo. Não conseguia respirar direito,
com aqueles tubos no seu nariz. Incomodava-se com o barulho das geringonças
médicas, que impediam que dormisse ou relaxasse. Resmungou algo, que nem ele
conseguiria identificar o que era. Estava cansado. O quarto estava deserto,
como era de se esperar.
Claro que a
enfermeira apareceria a qualquer momento, desde que apertasse o botão específico.
Como tudo na sua vida, era só apertar um botão específico, ligar para um número
específico, falar uma palavra específica, fazer um gesto específico. E todos vinham
até a ele. Tudo que queria, tudo que achava que queria.
Nem tudo,
talvez. Agora, por exemplo, quando suspirava, raquítico, esquelético, enfiado
naquela ridícula camisola de hospital, gostaria de estar em sua casa, no seu
sofá, perto da sua janela, ouvindo o barulho da chuva bater no vidro. Ter em
mãos seus amados livros, um bom copo de vinho na mesinha a sua frente.
Fazia
quanto tempo que não lia um bom livro, sentado, perto da janela, com a chuva
batendo na mesma, enquanto bebia seus vinhos caros? Não conseguia lembrar. Anos,
talvez. Afinal, quanto tempo fazia que estava internado? Horas... não! Dias,
sim, com toda certeza, quantos? Oh, muitos, muitos. Semanas? Ou meses.. Não se lembrava agora . Um
desespero acometeu o velho moribundo. Agora pareciam anos, anos trancafiado
naquele quarto branco. Porque branco? Afinal, detestava essa cor. Branco era
uma cor feia, vazia, sem sentido.
Ora, então
era esse propósito! O quarto era branco, sugava seus sentidos, suas lembranças.
Afinal, tinha ele mesmo uma cadeira perto da janela, onde a chuva batia
docemente, lugar perfeito para uma leitura acompanhada de um bom vinho? Por
mais que tentasse, não se lembrava do gosto da bebida. Gostava de um sabor mais
amargo, não? Salivou, fingindo inutilmente por segundos estar degustando seu
amado vinho. Resmungou de novo. O gosto era de saliva fedorenta e seca,
acompanhada com catarro. É, não era seu vinho. Não se lembrava do gosto da
bebida. Não se lembrava da marca do seu vinho preferido, nem do país de origem
do mesmo. Definitivamente, ele não bebia vinho na confortável poltrona junto a
janela onde a chuva batia, lugar perfeito para ler um livro. Talvez não
gostasse de vinhos, no final das contas.
Mas, ah! Os
livros, como eram magníficos! Romances russos e ingleses ao lado de tragédias
gregas. Ensaios poéticos e filosóficos se amontoavam na grande estante de
madeira que se impunha na sala de estar, onde ficava a bela e confortável
poltrona. Seus amados livros de capa dura, com as inúmeras folhas, já amarelas
e com o cheiro específico de livros. Como era o cheiro mesmo? Algo de mofo,
misturado com os cheiros específicos que só seus livros tinham. Ah, como era...
como era? Mais uma vez, o velho tremeu, horrorizado. Não conseguia imaginar o
cheiro dos seus livros. Inspirou fundo, mas o fedor do hospital meticulosamente
limpo quase o fez vomitar. Talvez... talvez se visualizasse as páginas dos
livros que tanto amara...
Isso! O
rosto caquético se abriu num sorriso sofrido, quando velhas páginas começaram a
se formar. As letras em tinta preta se destacando, formando palavras e
parágrafos. Tentou se fixar em algumas palavras, mas elas estavam borradas.
Irritado, forçou a imaginação. As palavras começaram a se formar e entrar em
ordem:
“Primeira Noite
Era uma noite
maravilhosa, uma noite tal como só é possível quando somos jovens, caro leitor.
O céu desde bem cedo. Começou irritadiça e caprichosa? Petersburgo Niévski!...”
Chocado com a súbita ruptura da
linha de raciocínio, o doente abriu os olhos, encarando o teto mais uma vez
branco. Ele tentara ver o livro que mais gostava, mas não conseguia se lembrar
nem da primeira página. Nem do título do livro! Oh, céus! Como é que se chamava
mesmo? Tivera ele realmente lido inúmeros livros? Ou, será que era mais uma
peça que sua mente lhe pregava? Não lembrava mais de capas, de títulos, das
frases marcantes, das personagens. Não se lembrava de nada. Fechou os olhos,
consternado. Não queria ver mais aquele maldito teto sem teias ou fissuras. Ou
será que realmente existiam teias? Todos os tetos não eram malditamente brancos
e lisos, simétricos, perfeitos? Será que não eram também invenções da sua
imaginação, assim como os romances?
Pelo visto,
ele não lia sentado na sua confortável cadeira a beira de uma janela, onde a
chuva batia. Pena, seria um bom lugar para ler livros. Se ele tivesse livros.
Afinal, a cadeira era ricamente estofada, macia como... como... como o que? O
velho se remexeu, soltando mais um gemido. Não encontrava conforto naquela cama
de hospital, não conseguia ficar sem dor. Não conseguia relaxar. Teria ele uma
vez relaxado? Ou sempre fora assim, alquebrado, mirrado, tenso, dolorido? Como
era ficar relaxado? Encrespou a boca e começou a duvidar da sua sanidade,
murmurando pequenas coisas sem sentido. Apenas para escutá-las.
Pensou em
tocar o botão ao lado da sua cama. Chamar a enfermeira para lhe contar sobre
sua loucura? Não. Melhor seria chamar a enfermeira para que lhe desse algo para
dormir. Ela não daria, pensou logo depois, sem nenhuma razão. Apenas sabia que
não lhe daria. Assim como sabia que não existiam vinhos ou cadeiras. Olhou para
o botão vermelho, perto dos seus dedos. Talvez pedisse para ela um remédio
fatal, para morrer logo, e parar com esses pensamentos absurdos de que existia
algo que se chamassem livros ou fissuras. Maldição, o que diabos eram aranhas e
teias? Mas provavelmente ela também se negaria a matá-lo. Teria de fazer isso
sozinho. Como? Se desligasse os aparelhos, os irritantes monstrinhos que
apitavam, eles iriam dedurá-lo para a malvada enfermeira. Tremeu de medo.
“A Janela!
Eu posso me tacar pela janela!” pensou, olhando para a parede oposta do cômodo,
onde estaria a janela. Para sua surpresa, a parede era branca, lisa, sem
fissuras ou teias, ou livros. Nenhum sinal de janela, o que quer que isso
fosse. O velho tossiu. Agora tinha certeza que a enfermeira iria se apiedar dele.
Talvez... talvez os monstrinhos não apitassem, não é? Se pedisse para eles? Oh,
eles não iriam querer se responsabilizar pela morte, os xexelentos! Ora, mas a
enfermeira era boazinha! Com toda a certeza que ela iria fazer o que pedisse.
Foi com um pequeno sorriso nos lábios velhos e rachados que apertou o botão
vermelho, fechando os olhos e respirando fracamente.
A
Enfermeira acordou, com seu bip tocando. Reprimiu um grande bocejo e esfregou
os olhos. O paciente 3 estava chamando. Incomum. Normalmente o paciente três
não dava problemas, só dormia, ou resmungava sozinho o tempo todo. Preocupada,
foi andando a passos largos até o quarto do paciente. Este estava deitado em
sua cama, com o cobertor branco puxado até a cabeça, cobrindo o corpo magro e
deixando só a cabeça aparecer. O velho estava sorrindo, com os olhos cheios de
lágrimas. Suas mãos enrugadas se agarravam aos lençóis de forma espantosamente
forte. Parecia respirar fundo várias vezes.
- O senhor está bem? – perguntou, profissionalmente, a
enfermeira
- Sim, minha dama, agora estou, assaz bem, obrigado– falou o
doente, de forma leve e alegre.
- O senhor tinha me chamado... – resmungou a mulher, num tom
de acusação
- Me desculpe, perdoe-me – suplicou o velho, começando a
verter lágrimas
- Não tem problemas, durma bem, senhor, se precisar de algo
é só apertar o botão – falou, hesitante e constrangida, a enfermeira, ao ver o
velho chorar, saindo do quarto, fechando a porta atrás de si. Nem percebera
que, no pequeno tempo que deixara a porta aberta, um cheiro entrara no quarto.
Nos segundos que deixara a porta aberta, um som invadira mansamente o recinto.
Cheiro e som esses que deram uma certeza ao velho. Ele estava vivo.
-Maldita chuva que não para – resmungou a mulher, voltando
para seu quarto.
domingo, 25 de outubro de 2015
Discutindo com Laís
Discutindo com
Laís
Lembro-me muito bem quando eu encontrei Laís pela primeira
vez. Lembro-me muito bem porque toda vez que encontro Laís, ela me lança um
olhar divertido, finge raiva e depois arregala aqueles dois olhões de coruja
para mim. Depois solta um sorriso manso, ou afetado, depende se estiver
chovendo ou ensolarado, segura meu braço com força e me puxa para perto e para
longe. “Puxa como você é chato, puxa como você é chato” diz com sua vozinha, me
apertando e balançando a cabeça, de maneira divertida.
Encontrei Laís dos olhões de coruja numa livraria. Olhava
divertida para as pessoas que passavam e não a notavam, pequenina, num
cantinho, só olhando as pessoas que não a notavam. Pareceu embaraçadamente
surpresa quando a encontrei em seu pequeno deleite especial. Arregalou-me os
olhos de tal maneira que sorri. Estava eu procurando um livro sobre algum
assunto desinteressante, como Laís explicou-me, logo depois que eu respondi a
pergunta do que você veio fazer aqui nesse meu cantinho de olhar pessoas?. Desinteressante
e chato. Repetitivo, quando tentei lhe explicar as qualidades do autor, Tolstoi
já tinha escrito sobre, e muito melhor, reiterou, batendo seus pezinhos,
impaciente. Apertou-me o braço, com força, e me puxou para perto e para longe.
“Puxa como você é chato, puxa como você é chato”, disse, finalmente. Mas depois
deu um sorriso e me perguntou se eu já tinha visto alguma borboleta hoje, mas
como não se hoje o jardim da praça está cheio?, após minha negativa. Parou um
pouco para pensar, soltando meu braço, e suspirou. “Como você conseguiu me ver,
observando as pessoas, e não conseguiu ver nenhuma borboleta? Você deve ser
meio cego, deveria procurar um oculista”. Foi assim que conheci Laís.
Depois disso, a encontro diversas vezes por ai, de repente. Tentei muitas
vezes, frustrado, entrar em contato com ela por outros meios além do físico
presencial. Mas ela sempre se nega a conversar comigo quando não consegue me
arregalar os olhões de coruja. Ignora-me, então, em todos os locais ou meios em
que nós dois não estejamos parados, olhando um para o outro, e ela aperte o meu
braço e me sorria, e eu sorrio para ela de volta e ela vem, e me puxa para
perto e para longe. As vezes tenho imensa raiva dela por isso, por não querer
me ver outros dias, em outros lugares, com outras pessoas. Porque não vamos com
Bruno e Fernanda para o cinema juntos, Laisinha?, digo, mostrando o novo filme
em cartaz. Porque você é tão bobão e sempre acha que eu não gosto de você?, me
responde, provocativa, mudando de assunto logo em seguida. Porque você nunca me
vê com os outros? Porque só me vê sozinho?, você deveria estar feliz por eu te
ver uma vez que seja, seu chato!. Eu queria te ver mais..., digo depois de um
silêncio desconfortável, eu gosto de te ver, gosto de você. Ela para, vira e me
dá um olhar assustado, misturado com certo desconforto de mesma origem do
silêncio desconfortável, Eu também gosto de você, diz, e não foge do meu abraço
carinhoso, mas foge dos meus olhos curiosos.
Um dia, mais cinzento que muitos, eu estava especialmente insistente. Ela
olhava para as árvores, estávamos em uma varanda bem aberta, dando para árvores
e para o todo especial cheiro de ar do outono carioca. E seus olhos de coruja
passeavam pelo verde como que procurando algo. Não tinha falado mais que poucas
palavras, escutando o longo discurso meu, remoído, cheio de só queria te
entender melhor, as vezes acho que você poderia se abrir mais, junto com uns o
que há com você hoje?, e ocasionalmente uns suspiros e o discurso morria sem
avi...
“Porque você insiste tanto em mim?” perguntou finalmente, evitando meus olhos
inquisidores espanhóis. Entalou-se em mim a resposta, e não consegui falar nada
por alguns minutos. Aqueles olhões de coruja, aqueles faróis negros
acastanhados de onde a emoção explodia. Que medo daqueles olhos. Que medo de
serem espelhos, e não vidros translúcidos. A tensão ficou mais forte, e ela, ao
contrário de outros dias passados, não mudou de assunto, tampouco falou sobre o
passarinho a cantar, metros abaixo, já que a varanda era de um prédio alto,
metros acima de passarinhos a cantar. Não, Laís aquele dia não me apertou o
braço, me apertou o coração. Céus, aqueles olhões de coruja, aquela boca
tremida sem a certeza, e a expectativa. Séculos se passaram, e ela desviou o
olhar, virando para o ar outonal.
“O que você acha do tempo?” perguntou, finalmente e vendo
minha decepção, sendo a boa observadora de sempre, que bonita Laisinha,
acrescentou “Não, não o clima, ou a temperatura, ou, mas o tempo, o tempo!”
afirmou, com sua energia contagiante. Mas eu não estava a fim de discutir o
tempo aquele dia, o que a fez começar, naturalmente, a falar sem parar sobre o
assunto.
“Imagina, imagina! Imagina se, na verdade, não existe tempo?
Não existe o passado, não existe o futuro. Não existe nada, e nossas memórias
são só fantasias da nossa mente? Na verdade, o que há são momentos. Como
fotografias. Momentos que vão e vêm. Mas, assim como no cinema, não há real
continuidade, não há movimento. O movimento é uma mera ilusão da nossa
incapacidade biológica de ver mais de 24 quadros por segundo, devido a tal
persistência retiniana. E, como no cinema, a filmagem pode ser editada,
cortada, na pós produção, nossa memória também o pode. O que seria o tempo,
então? Uma medição que o Grande Cineasta usa para colocar seus momentos? Uma
criação nossa, para evidenciar a diferença entre um momento ou outro? Mas, como
saber que um segundo de agora, na realidade, não é um segundo posterior de
amanhã, ou é um segundo do século passado?” terminou, olhando para mim, e
brilhando os olhos, esquecendo dos segundos do século passado que tinham
acabado de passar, nos quais eu olhava seus olhos de coruja e sua mãozinha
apertava não meu braço, mas meu coração.
“Se for isso, espero que o Grande Cineasta não seja um
Tarantino” respondi, amargo. Aqueles segundos do século passado estranhamente
pareciam muito próximos. “E, se admitir-mos que não há uma continuidade, mas
sim uma sucessão de momentos, como você mesmo disse, fugiria da nossa
capacidade biológica de perceber isso. O que é um dia para Matusalém? Nada,
provavelmente. Mas para uma criança de um dia, é a vida toda dela. No século
passado, pelo que nós dois concordaríamos, eu não estava aqui, o outono não
tinha esse cheiro, e você...”
“Está falando da relatividade do tempo? Talvez, se considerarmos a relatividade
da percepção do tempo, não do tempo ele mesmo...” cortou ela, pensativa.
Sorria, enquanto pensava, de uma maneira cativante, tanto o sorriso quanto o
pensamento. “Mas ai estaríamos em outra esfera de discussão! O que pensar sobre
o tempo, ele mesmo?”
“Uma mais interessante, provavelmente. O tempo? Uma
grandeza, talvez, como você propôs. Uma linearidade que nos assegura um ponto
de referência para nós agarrarmos e nos mantermos minimamente sãos.” Continuei,
sem muito ardor.
“Não! Não! Justamente! Não acredito que o tempo seja uma linearidade! Como pode
ser uma linearidade se o agora não é agora, e o passado, não sendo o agora,
pode ser uma concepção abstrata da minha mente doentia? O futuro, então! O que
falar de algo que não existe, nem nunca vai existir? Seria “o Futuro” o
unicórnio de Flusser? O que existe é o agora. Somente o agora!” Laís agora ria
abertamente, se deliciando com aquele debate. “Nada é igual ao agora! Tudo
muda, mudou, a não ser que minha mente doentia tenha mudado, e as coisas sejam
estáticas no tempo e espaço. A nossa percepção limitada, ao invés de ver tudo
parado, como realmente é, vê os movimento imaginários, os deslocamentos
imaginários.”
“Mas, se nada é igual o que era antes, se o movimento é uma
falsa ilusão da nossa percepção limitada e da sua mente doentia, o que há
realmente, porque há mudança, não digo o ato de mudar em si, esse você já
explicou, mas na mudança de fato. Como eu posso estar pensando agora diferente
há quatro cenas do Grande Cineasta atrás? O que provocaria isso? Como poderia
coexistir duas varandas, a de agora e a de dez segundos atrás?” perguntei,
rindo. Porque eu sempre caio nessas conversas dela? Céus!
A pergunta a pegou desprevenida. Ela olhou de novo para a
árvore em frente. Como eu já expliquei, a varanda ficava metros acima de
passarinhos metros abaixo dela. A varanda também dava para uma árvore, para
quem um dia era nada, em sua percepção relativa e arvoresca. Esperei alguns
momentos, e o Grande Cineasta, cansado de esperar, cortou um pouco desses
momentos e logo colocou na exibição o momento que eu retomava a falar,
rapidamente, extremamente entusiasmado, completamente dominado pela conversa.
“Uma explicação possível seria que a realidade é múltipla,
não única. Não linear, mas sim pontos pluridimensionais, que se interconectam,
que seguem através de linhas que ligam momentos distintos em realidades
distintas. Uma verdadeira rede, infinita. Assim, duas realidades podem
coexistir. A realidade de cinco segundos atrás dá lugar ao agora. Assim, o que
percebemos como movimentos, na verdade é uma transição da estática de um
realidade à outra. O que não invalida a possibilidade de um caminho diferente,
ou da coexistência de diversos cursos seguindo seus caminhos distintos, podendo
coincidir em diversas realidades diferentes. Talvez isso explica aqueles
instantes de dejá vu! O que acontece
é que um fluxo existencial, por falta de melhor palavra, coincide de se
encontrar numa mesma realidade com outro fluxo existencial. As memórias doentias
e ilusórias se condensam, e uma realidade atual pode já ter sido ‘visitada’, o
que levaria ao outro fluxo uma estranha sensação de já ter vivenciado o
momento.” Tive de parar um pouco para tomar fôlego, e durante esse momento,
olhei para ela. Laís me olhava, fascinada, e ria, mostrando os dentes brancos e
me fazendo rir também.
“Você pode estar certo, é realmente uma boa teoria. Isso explicaria a dualidade
dos fatos. Se explode um vulcão, há de ter, ao mínimo, duas realidades
diferentes: uma em que o vulcão explode, e outra que ele não explode! Os dois
fatos existem, e aconteceram, estão em realidades diferentes. E, concordo
contigo! As realidades, portanto, não são ‘paralelas’, como muitos gostam de
afirmar. As realidades possuem n interseções, o tempo todo se cruzam, por
dentre os mais diversos momentos. O espaço seria, portanto individualmente
diferente, mas, ao todo, todas as possibilidades se somam e formam um espaço
puro, completo, e em constante adição, pois as possibilidades aumentam. Não há
mobilidade nos momentos per se, mas há uma mobilidade de criação e
inter-momentânea. Isso nos abre uma porta de possibilidades, por exemplo:
poderia um fluxo inverter o caminho? Como iríamos perceber se isso realmente
acontecesse?” disse, me apertando no coração, com aqueles olhos de coruja,
aquela mãozinha a mexer no próprio braço, aquele sorriso a mexer com meu peito.
“E não precisamos parar por ai!” continuou “E se pensarmos
que cada ser é um universo, uma interpretação própria do todo? E, onde estaria
essa interpretação? Acima de tudo e todos, já que observa de longe? Ou
englobada nessa mesma rede? Tudo o que você cria na sua mente, está no nosso
fluxo existencial? Ou será que seus pensamentos criam distintas realidades
também? Será que ao escrever algo você cria uma realidade, ou um fluxo de
existência diferente do nosso, este compartilhado agora? E ao ler? Outro fluxo
é criado? Outras realidades se tornam possíveis, outros caminhos? E ao falar? E
ao escutar?”
Assombrados com tamanha magnitude, com tamanhas realidades
coexistindo, e pensando que simplesmente pensar nisso já deveria ter aberto
novos fluxos, novos momentos, nos olhamos. Olhei para aqueles olhões de coruja.
Olhei para aqueles cabelos negros, grandes, para aquele nariz com uma pintinha
charmosa no centro. Algo quente cresceu em mim. Talvez o Grande Cineasta
quisesse mudar algo, por fim. Talvez um fluxo diferente estivesse coexistindo
no tempo-espaço, naquele exato momento.
“Sim, sim. Talvez, na verdade, sejamos só um escrito de alguém,
algum conto ou texto mal escrito de um idiota qualquer. E que nosso fluxo foi
iniciado por esse mesmo idiota, momentos atrás, não milhares de anos antes,
como nós pensávamos.” Eu disse isso com uma voz estranhamente embargada. Ela me
olhou de novo, estranhando o tom. Ficou surpresa quando lhe segurei os braços,
e lhe puxei para perto e para perto de mim.
“Então, talvez, sejamos só um fluxo existencial de um cara que quer mudar a sua
realidade, sua própria. Talvez ele tenha nos criado para fazer um trabalho
estranho pedido para faculdade, por algum professor estranho que tenha pedido
um trabalho desse tipo, mas não acredito nisso...” ela me olhava confusa, ao
mesmo tempo, estava tensa, e arfava, em expectativa. Me aproximei com a cabeça,
decidido.
“O que você está fazendo?” perguntou-me, entregue, finalmente,
com os olhos cheios de ternura, que sempre existira ali, nos mais diversos
fluxos existenciais que Laís aparece, ou aparecerá, a ternura que eu tanto
queria, o vidro, não mais o espelho. Ela me lançou um sorriso maravilhoso, e
molhou os lábios, na expectativa.
“Estou provavelmente consertando a cagada que nosso possível criador-de-fluxo
tenha feito. Estou criando uma realidade que ele infelizmente não transitou.
Estou indo para um momento em que ele não conseguiu, ou não pôde, ir....”
Porque esse texto tinha de ser postado em algum lugar que não o Tibiabr :3
segunda-feira, 9 de abril de 2012
3 da madrugada
Ia dormir, mas você é muito chata
Cansado com sono, mas o passado dói
Não pensar nele só evita a dor
O que queria era só uma verdade
Maratonista de dia e amargura a noite
3 da madrugada, e você ri comigo, dois anos atrás
Você era muito chata
Maravilha de tecnologia, não?
Um verdadeiro sofrimento ad infinitum
Só queria enxegar com os MEUS olhos
Não turvos, só cegos e míopes
A dor não se vai, por a verdade não vem
Tu meurs, tu ment trop, ma cherie
Você é muito chata
http://www.youtube.com/watch?v=Ubw5TNRY_qM
Cansado com sono, mas o passado dói
Não pensar nele só evita a dor
O que queria era só uma verdade
Maratonista de dia e amargura a noite
3 da madrugada, e você ri comigo, dois anos atrás
Você era muito chata
Maravilha de tecnologia, não?
Um verdadeiro sofrimento ad infinitum
Só queria enxegar com os MEUS olhos
Não turvos, só cegos e míopes
A dor não se vai, por a verdade não vem
Tu meurs, tu ment trop, ma cherie
Você é muito chata
http://www.youtube.com/watch?v=Ubw5TNRY_qM
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