quinta-feira, 24 de junho de 2010

Para você, sim, eu sei que você vai ler:




Palavras são somente palavras
Nada que direi vai adiantar
Nada que farei significa algo
Então foda-se

domingo, 6 de junho de 2010

Amor de Poeta

Trabalho de Literatura, enjoy



Amor de Poeta

O homem no quarto estava quieto, deitado em sua cama. Não daria para dizer quem ou o que era mais decrépito naquele cômodo, se a cama gasta, o baú aberto no chão cheio de ranhuras, uma cadeira bamba e de aparência frágil ou o próprio homem, imóvel. Ele tinha profundas olheiras e as faces encovadas, cadavéricas. As faces pálidas e a imobilidade talvez fizessem estranhos pensarem que estava morto. Mas a luz cintilando em seus olhos febris e seu peito magro subindo e descendo davam vida à figura.

O silêncio imperava no recinto, com a espessa camada de poeira, além da janela fechada, abafarem os sons da barulhenta rua abaixo. A imagem, imortal, se assemelhava a uma fotografia. Uma fotografia que retratasse a solidão humana. Porque era isso que o homem era: um solitário. Não fazia idéia que horas eram, ou de quanto tempo passara assim, a contemplar o teto cheio de teias de aranhas. Não que realmente prestasse atenção as aranhas, ou sequer sabia se havia um teto acima da sua cabeça. Não importava.

Não importava, pois Lucien Rodion tinha achado o amor, e sua alma atormentada pela paixão não conseguia aceitar o fato de não conseguir ver sua amada todas as horas de todos os dias. Esse rombo no coração, que o escritor romântico tanto procurara, doía demais, sobrepujava tudo que escrevera. Não era uma inspiração, pelo contrário, seus sentimentos eram tão intensos e tão confusos que, quando pegara sua velha e gasta máquina de escrever, ficara paralisado ante a folha de papel em branco. Não era nada que imaginara, nada que escrevera sobre. Sentia-se desesperado, agoniado. Lutava consigo mesmo, internamente, com tempestades de emoções torturando-lhe a alma.

De repente, ouve-se batidas na porta. Lucien nem ao menos olhou para o lado. Continuou a fitar o teto, impassível. As batidas aumentaram. O homem abriu a boca, lentamente, num esgar de desprezo. Seus lábios estavam rachados, afinal, fazia um frio infernal, e Lucien não tomava água havia algumas horas, ou seriam dias? A pessoa atrás da porta insistiu, aumentando a força nas batidas.

- A porta não tem tranca – disse Lucien, com uma voz anormalmente fraca e rouca. Quanto tempo se passara desde que falara pela última vez? Não conseguia se lembrar. Minutos, horas e dias se misturavam, num carnaval turbulento, que desdenhava e pisava em cima desses supérfluos que marcavam tempos factuais.

Um homem bem apessoado e alto entrou de supetão, fazendo a porta ranger perigosamente em suas dobradiças gastas de latão. Não saberia dizer o que era mais reluzente: se seu sobretudo negro impecável, se sua cartola que segurava com a mão direita, se suas botas de couro ou se seu profuso bigode, que, mesmo sendo grande, mal conseguia tapar o amplo sorriso que se abria no rosto vivo.

O contraste era tanto que, assim que o homem entrou, o quarto vibrou de vida. Sua evidente energia, sua joie de vivre eram quase inadequadas no recinto. Contudo, ele não se importou com isso, ou pelo menos, não o demonstrou. Apoiou a cartola no espaldar da cadeira decrépita e abriu os braços. Os olhos negros brilhavam e seu sorriso não diminuíra nem um centímetro.

- Mon petit! Como vai meu jovem poeta? – exclamou, com uma voz retumbante. Uma voz perfeitamente adequada com a figura. Alegre, forte e alta. Parecendo incapaz de ficar parado, o homem deu as costas para Lucien e foi abrir as pesadas cortinas.

- Oi. – respondeu Rodion, fazendo um enorme esforço para sentar-se na cama. Lucien estava pateticamente esquelético e doentio, e isso ficava evidente com o homem de preto perto – Como vai, Pierre?

Pierre virou rapidamente a cara para o jovem na cama, seu sorriso se fechou um pouco, e uma ligeira ruga apareceu na testa anteriormente lisa. Parecia ter finalmente notado o estado calamitoso em que se encontrava o amigo.

- O que houve, Lucien? Você não está me parecendo bem, amigo. Conte para Lupin, o que aconteceu? – agora a voz tinha se alterado um pouco. Parecia ser preocupada, mas ao mesmo tempo, sutilmente, estava carregada de um tom imperativo que impedia qualquer tipo de mentira e uma confiança que fazia Rodion finalmente querer falar.

- Pobre de mim, malditos sejam os deuses, Lupin, estou amando. – revelou o moço, num tom de voz queixoso. Ao terminar de falar, Lucien, ficou estático, pensando no que acabara de dizer. O simples ato de admitir, de revelar, já tornava os sentimentos mais avassaladores ainda. Agora o jovem sentia medo. Sentia medo de que Lupin simplesmente risse da sua patética declaração. Pierre, tão senhor de si, tão influente e tão sábio. Não riria ele daquele jovem tolo, que falava e agia como um adolescente apaixonado? Mas, ao mesmo tempo, não era ele, Lucien, um jovem apaixonado? Oh, mas era tão diferente! Tão diferente do que pensava e escrevia! Tão diferente de que buscara, que almejara!

- Oh, le pauvre! – exclamou Pierre, num tom realmente penalizado, como se sofresse a dor que Lucien sofria. Sentou na cadeira, que rangeu ameaçadoramente, e virou-se para o amigo, que cobriu a cara com as mãos grandes e magras. Lupin deu um tapinha amistoso no ombro do amigo, como que convidando a este contar mais.

- Como isso dói, Pierre! Estou me sentindo destruído. Ah, que grande ironia do destino, caro amigo! Eu, o mais jovem escritor de Paris, eu, que tantos corações conquistei com meus poemas sobre amor, apaixonado irremediavelmente, por alguém que não me quer. Oh, c’est ne pas vrais. Não estou morrendo, padecendo? Em meus pensamentos, Lupin, não morro a cada segundo sem ela? Será essa minha triste e dolorosa sina? – gemeu o poeta, com as mãos tremendo.

- Ah, mon ami, me conte, como isso foi acontecer? – perguntou o outro, alisando o bigode negro, gesto que – para quem conhecesse Pierre bem – indicava total concentração.

- C’est ta faute! A culpa é sua, Pierre, mesmo que você não seja culpado. – suspirou Lucien, olhando para a janela suja.

- Mon cher, gosto profundamente de você, assim como suas poesias românticas, mas não quebre minha cabeça num sábado de manhã com paradoxos. Se puder, por favor, falar em francês alto, claro e entendível, seria de grande valia.

- Lembra-se da festa que você me convidou, na casa de Madame Bergenton? – perguntou Lucien, ainda fitando a janela.

- Oui. O baile de máscaras, não? Muito bom, por sinal. Vim para cá exatamente por causa dele.. – começou Pierre, ainda coçando o bigode.

- Sim, Lupin. O baile. – cortou Rodion, pela primeira vez dando uma força na voz. – Foi lá que tudo aconteceu, caro amigo. Toda a tragédia se desenrolou sobre aquele magnífico prédio na Saint-Germain . Você deve se lembrar, Lupin, que o hall de entrada facilmente comportaria uma vintena de convidados, isso sem falar das salas de jantar e de estar. Ainda deve estar fresca na sua memória, caro amigo, a razão da minha ida na festa. A razão pela qual te pedi tão difícil pedido.

- Surement! Claro! Você queria se aproximar mademoiselle Chantal, não é? – perguntou Pierre, erguendo uma sobrancelha.

- Quem? – perguntou Lucien, franzindo a testa num momento, para logo depois exclamar – Ah oui! Chantal. O que acontece, caro amigo, que Chantal não estava quando eu cheguei. A linda Alexi não estava lá, e eu, petrificado, parado no hall de entrada, contemplava os passantes. Como fois tu, Lupin, quem me emprestara a máscara, não preciso detalha-la. Falo somente que a fantasia preta caiu bem, assim como o chapéu com a pena negra e a máscara prateada. Apesar disso, não me aventurei a adentrar a festa. Oh, sou jovem e tímido, e, apesar das minhas palavras tempestuosas, não conseguiria entrar sozinho naquela festa, sabes bem!

Rondion agora tinha se levantado, numa energia febril, andava de um lado para o outro, gesticulando. Pierre tinha diminuído, diante da paixão incontida daquele corpo frágil e doentio. De repente, Lucien estacou, e fitou o vazio, com seus olhos cavernosos, fez uma expressão doce e estendeu a mão para o nada.

- Foi quando eu vi, mon cher. Eu vi a coisa mais linda do mundo. Subindo as escadas, sem companhia nenhuma. Parecia flutuar no espaço, tamanha beleza e fascínio que me causava. Não, era só beleza, Deus! Não podia ser só beleza, pois sua cara estava tapada por uma máscara vermelha com um penacho da mesma cor. Vestia um vestido roxo, digno da própria Afrodite. Mas não era sua estatura imponente, ou seu sorriso sensual de lábios de mel, ou seus olhos castanhos escuros misteriosos. Não senhor! Ela tinha algo a mais, Lupin! Oh, perfeita boneca, com um sorriso de cigana, e cabelos encaracolados. A pele alva, de aparência tão frágil que, ao mesmo tempo que quis agarra-la, temia que quebrasse igual porcelana. Foi nesse instante, mon ami, que me perdi. Mandei para os infernos a mademoiselle Chantal. Para os infernos todas as outras moças na festa! Para os infernos a alta-sociedade parisiense, Lupin! Naquele momento, esqueci de tudo, só a vi, não perfeita. Oh, não, ela não era perfeita, e isso que a fazia perfeita, comprends? Justamente essa não-perfeição a fazia perfeita! Oh, que lindo paradoxo, Pierre, que perfeição de paradoxo imperfeito! Já estava a delirar, somente ao olha-la.

Lucien estava agitado. Torcia as mãos sem parar, e andava de um lado para o outro. Falava mais para si mesmo do que para Pierre, que continuava a mexer no bigode. Porém, se sua expressão anteriormente era jovial ou preocupada, agora fitava o vazio, ouvindo cada palavra do amigo com um interesse absurdo. Seus olhos estavam arregalados, como que assustado pelo relato do outro, que continuava seu falatório:

- Segui-a, festa adentro. E ela sabia que eu estava seguindo-a, pois não parava de balançar as lindas madeixas e lançar meios sorrisos para mim. Foi como se eu perseguisse uma caça, Lupin. Uma caça que gosta de ser caçada e gosta de atrair o pobre caçador para terríveis armadilhas. E como ela me atraia, homem! Eu era incapaz de prestar atenção em qualquer outra pessoa. Foi quando ela mordeu levemente o lábio brilhante. Isso conseguiu me levar a uma loucura desumana. Respirei fundo e sorri de volta, meneando a cabeça, convidando ela para vir até mim. Ela riu e piscou para mim, indo para a sala de estar, onde a música estava sendo tocada. Esperei um tempo e segui-a, de novo. Percebe? Ela controlava tudo, e ao mesmo tempo me deixava na sensação de estar tomando os passos que ela já tinha premeditado! Talvez ainda não dê para entender direito, Pierre, mas você vai ver! Continuando, quando eu cheguei na sala de estar, não consegui acha-la. O desespero que se abateu sobre mim foi impressionante. Eu estava complemente dominado por ela. Fiquei agitado, procurando-a. Foi quando ouvi um doce sussurro no meu ouvido. “Ora, ora, o sr. Poeta perdeu alguém?”. Gelei completamente, aspirando aquele perfume adocicado, mas que ao mesmo tempo fazia os pelos do meu corpo se eriçarem completamente. Uma sensação estranha e viciosa. Mas, de alguma forma, consegui me virar e responder “Talvez tenha perdido a minha razão, assim que te vi.” Ela sorriu, ruborizada, me deixando hipnotizado de novo. Acho que ela não sabia do total poder que tinha sobre nós, homens. O resto da noite passou rápido, rápido demais. Foi só um turbilhão de sensações, chocando-se umas com as outras. Dancei com ela, conversei, bebi vinho. Ela parecia estar gostando da minha companhia também, não fomos interrompidos por ninguém, era como se estivéssemos a sós. Éramos dois apaixonados, ou um apaixonado só não consigo dizer, e meu coração se parte em somente ponderar essa possibilidade.

Dizendo isso, Lucien se jogou na cama, respirando fundo. Estava suado e seu corpo tinha pequenos espasmos, como se tivesse corrido uma maratona, ou levantado algo muito pesado. Quando começou a falar de novo, sua voz estava arrastada e pesarosa.

- Ela disse que se chamava de Louise, mas me deixou chamá-la de Lô. Não me disse o sobrenome, só disse que todos começavam com L. Assim que ela disse isso, ruborizou completamente e pediu um cálice de vinho. Quando eu voltei com a bebida, ela tinha sumido. Procurei por toda a festa, mas não consegui acha-la. Isso foi como uma facada no meu coração, Lupin. Como uma longa e fria faca penetrando lentamente no meu coração. Fiquei até o fim da festa, procurando pelo local. Mas ela tinha sumido. E desde de então não a tenho mais visto.

Depois de relatar o que aconteceu, Rodion suspirou tristemente e fez força para as lágrimas não caírem dos seus olhos marejados. Lupin se levantou, olhando profundamente para Lucien.

- Você disse Louise? Está certo que ela se chamava assim? – perguntou, no mesmo tom de voz que impossibilitava mentiras que usara antes.

- Oui, mon ami. Ela jurou que se chamava Louise. – respondeu rapidamente o jovem poeta, vendo a esperança retornar ao seu desesperado amor. Pensava internamente que Pierre, influente como era, deveria conhecer cada convidado daquela festa, pelo menos, por nome. Mas ao ouvir isso, Lupin fez uma careta e balançou a cabeça negativamente.

- Temo que esteja enganado, gamin -

- Não estou – disse Rodion, feroz.

- Se não está, mon chér, então a mademoiselle Louise não existe. – disparou Pierre, olhando para a cara do poeta. Lucien ficou aterrorizado, abrindo a boca e fechando, incapaz de falar algo, tentando absorver a informação. Sacudiu a cabeça e ia começar a falar quando o amigo cortou – Se a moça com quem passaste teu tempo realmente se chamava Louise, era impossível ela estar lá. Eu sei cada pessoa que apareceu na festa, Lucien, e não havia nenhuma Louise, nem qualquer mulher que tivesse todos os sobrenomes começando com a letra “L”.

- Non..., não pode s.. não pode ser verdade, Pierre! Ela me jurou! – exclamou o poeta com uma voz estranhamente aguda.

- Lucien, mon ami, vocês dois falaram com alguém, alguém mais viu Louise? – perguntou Lupin, extremamente rápido, sem deixar chances para o amigo pensar.

- Não, nós... nós ficamos sozinhos. Era só eu e ela – balbuciou o jovem, pensando nas terríveis coisas que estava ouvindo, tentando encontrar uma razão ou sentido naquela confusão.

Lupin então se ergueu, num salto. Agora ele parecia crescer, soberano em seus pensamentos, sobrepujando a paixão do poeta, preocupado mas ao mesmo tempo, senhor da situação.

- Lucien, será que, em sua busca pelo amor verdadeiro, sua paixão pela paixão, almejar tanto uma alma gêmea, não criou uma mulher idealizada? Será que você não está imaginando coisas? Será que Louise... não existe?

- Ela existe, Lupin! Ela é o amor da minha vida – gritou Rodion, histérico – e ainda vou encontra-la! Vou te provar! Ah, sim, eu, Lucien Rodion, estou amando, monsieur Lupin! Eu consigo! Eu achei!

O jovem então começou a se debater. O corpo exausto se negava a continuar. A mente, ferida e cansada, desligava. Lucien desmaiou. Pierre rapidamente socorreu o amigo. Minutos depois, Lucien estava na sua cama, abrindo lentamente os olhos.

- Está tudo bem, mon petit? – perguntou Lupin, nervoso.
- Oui. Agora sim, obrigado, Pierre. – respondeu o poeta, numa voz cavernosa e sem vida. De repente, saltou da cama e foi correndo até a máquina de escrever. – Mon ami, será que você poderia ir até a esquina e comprar algo para nós comermos? Infelizmente, Bernadette, a dona do prédio, está viajando, então estou sem comer há algum tempo.

- Surement! Claro que vou – respondeu Lupin, feliz em poder fazer algo pelo amigo. Estava saindo quando deu uma última olhadela para o poeta. Este estava a escrever furiosamente em sua máquina. Com um sorriso, Pierre desceu as escadas e caminhou a passos largos até a esquina. Seu amigo já estava melhor, conhecia essas crises dele.

- Bonjour, queria uma baguette e um Bris de Meaux e um Roquefort, por favor – pediu Lupin ao velho da padaria. Pensava em forçar Lucien a sair para jantar com ele, estava preocupado com a saúde do amigo. Pegou a comida e pagou, assobiando a Marselhesa enquanto voltava a passos largos para o prédio de Lucien.

Foi quando ouviu um tiro, soando bem do prédio do amigo. Xingando baixinho, o homem largou a comida e passou a correr, abrindo rapidamente a porta do prédio. Voou escadaria acima e, com um chute certeiro, escancarou a porta de Rodion.

E lá estava ele, Lucien, o poeta, estirado no chão empoeirado. Sangue tinha começado a escorrer do buraco na cabeça e fazia uma pequena poça ao redor da mesma. Lupin se ajoelhou, chorando, apenas para constatar que o amigo realmente tinha morrido. Na mão direita estava a arma do pai, que morrera anos antes. A esquerda parecia apontar para a cama.

Lá, em meio aos lençóis embolados e desarrumados, a maquina de escrever velha e gasta pairava. Ainda tinha um papel nela. Pierre pegou-o. Era o que Lucien estivera escrevendo, a tinta ainda estava fresca:


“Amor de Poeta
Meu amor não existiu
Então farei existir
Meu amor ninguém viu
Mas ele está a vir

Bebendo toda a taça do fel
Vou de encontro a ti
Doce Lô, de lábios de mel
Amor como teu jamais senti

Que escrevam então em minha tumba,
Escrevam com todo o fervor
Da minha saudade oriunda:

‘Aqui jaz, com toda a sua dor
Tão grande quanto cova funda,
Lucien Robion, morto de amor’”






Perdoe o escritor pelo lirismo excessivo do eu-poético, ou as expressões em frances, embora eu ache que estejam facilmente entendíveis. Comentar não mata ninguém.