quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Considerações produtivas da meia noite de domingo

A gente não deve buscar a produção pelo produtivismo, mas pela estética, pela beleza do criar e da capacidade humana de se maravilhar com o que é criado, percebido, apreendido. Não necessariamente com um propósito maior do que o simples deleite da construção pessoal compartilhada. O sentir gravado em palavras, formas, trocas. Fazendo esse sentir ser dois, ter sua ponte em mais de um universo pessoal, fazendo sentido e sentir, criando. Não que seja somente você e sua produção, e sua criação. Poder enxergar você naquilo, sabendo que não é só você, é toda uma conjuntura de fatores que te impulsionam, te massacram, te extraem. E perceber a unicidade, o singular, a eventualidade. A beleza histórico-geografada.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

CONFIDENCIAL

CONFIDENCIAL

Relatório Confidencial P/ Portaria 171.A.98
Class. A+/ Dest. 76

... situação, por demais crítica, força-nos, membros do Comitê Organizador, a mandar esse RELATÓRIO CONFIDENCIAL (Class. A+/ Portaria 171.A.98) para comunicar-lhes o que pôde ser analisado pela Associação dos Analisadores Concomitantes, racionalizado pela Organização Racionalista de Assuntos Irracionais e verificado pelo Verificador Universal Geral. O conteúdo deste RELATÓRIO CONFIDENCIAL (doravante R.C.), como o artigo 32.1 pár.6 emenda 7 prediz, deve estar restritos aos senhores Presidentes da Comissão Extraordinária e a possíveis suplentes, se o acaso demandar.

Foi constatada uma grave quebra na RACIONALIDADE (pausa). A A.A.C. relatou que os indicadores de racionalidade no hemisfério norte atingiram marcas assustadoras (pausa). Parece que, ao contrário que afirmava a pesquisa da Comissão de Pesquisa e Informação Para Controle, a felicidade NÃO evita o suicídio, ou os critérios para estabelecer se uma população é feliz ou não estão ULTRAPASSADOS, ou ERRADOS (pausa).

Como podem ver, é uma questão urgente e já está sendo devidamente tratada. Demitiram a cúpula do Departamento de Pesquisa, assim como foram consideradas IRRACIONAIS e INEXATAS as monografias e os trabalhos dos professores pesquisadores R. Descartas, P. Platoon, e todas as obras subseqüentes (palmas). Já foi avisada a Reitoria e a Comissão Para Crimes Contra a Razão de que as vertentes do Liberalismo devem ser combatidas (palmas).

O relatório da Organização Racionalista de Assuntos Irracionais, como é de costume, logrou êxito em objetivar a pesquisa e seu resultado (mais palmas). Ficou claro a todos, e obteve a confirmação da Mesa de Confirmação de Racionalidade, que as pesquisas sobre os países mais felizes do mundo estão erradas. Ora, se elas realmente fossem felizes, não haveria razão para se suicidarem, já que foi provado, através da famigerada monografia de D. Jeová (“A Bíblia”), que o suicídio é algo pecaminoso e errado para os humanos, e que pessoas felizes não realizam algo pecaminoso ou errado. Pois ai seriam classificados como pecaminosos e errados, pelo Departamento de Rótulos e Classificações, como manda o Art. 43.


Concluiu-se racionalmente, portanto: ou os países do hemisfério norte realmente não são felizes, e, portanto os critérios utilizados pelo Departamento de Rótulos e Classificações deveriam mudar, ou o suicídio não é algo ERRADO e PECAMINOSO (vaias).

Foi encaminhada então uma carta, legitimada pela Corte Suprema da Razão, intimando o Dr. D. Jeová a comparecer em Corte para provar sua obra como racional e verdadeira, assim como a cúpula da área de Conceituação Rotular, do Departamento de Rótulos e Classificações. Como o Dr. D. Jeová já tinha diversas intimações (lembrar do caso “Milagres”, “Mares se abrindo” e do mais famoso: “É preciso crer para ver) (vaias). De fato, o Dr. D. Jeová já vinha sendo duramente criticado, principalmente pela ala extremista, com seu líder F. Nietzsche. A razão aponta para o julgamento do conceito de suicídio (palmas).

Já foram tomadas as providências caso esse seja o veredicto (pausa). O Departamento de Rótulos e Classificações teve a bondade de informar que já até moveu o “Suicídio” para a área de “Prazeres”. Justifica-se, então, a polêmica questão sobre porque homens felizes se suicidam mais que os tristes. A razão impera sobre a irracionalidade, tudo tem sentido (longos aplausos)

Observação: É imperioso que os Presidentes da Comissão Extraordinária expulsem o herético e IRRACIONAL T. Adorno. Acredita-se que ele tenha elaborado outra explicação para o fato. Como é de conhecimento público, a verdade é única e absoluta, então Adorno está dizendo que a Corte Suprema da Razão estaria sendo IRRACIONAL. Segundo o herege, é justamente nosso trabalho que é responsável pelo alto número de suicídios. Ele afirma que, ao objetivarmos e racionalizarmos tudo, até as nossas relações, acabamos tornando o homem um simples objeto, o que causa uma angústia tremenda nesse homem-objeto, pois uma grande parte dele é ignorada. A única saída para tal objetivação seria a morte. Sendo os países do norte os mais objetivados, isso explicaria o alto número de suicídios. IRRACIONAL. Como se fôssemos nos matar por sermos objeto...







O resto do memorando encontrado na mesa do Ex-Alto Presidente da Comissão Extraordinária está coberto de sangue, derivado do próprio. Segundo o Comitê dos Legistas, uma bala na cabeça. Toma posse B. Microsoft (longos aplausos). 




Um trabalho de filosofia do 3o ano, que descobri entre meus arquivos... Bizarro como as vezes parece atual.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O baque aconteceu no ônibus




O baque aconteceu no ônibus, quando vi o sol bater nas feições geomorfológicas do maciço da Tijuca, seu verde brilhando num estranho contentamento de ser verde e de ser morro. Antenas, cidade aos pés, nuvens descendo, como uma louca cavalaria morro abaixo, engolfando o verde contente com sua brancura fria. E o sol, sempre o sol. A singularidade de toda uma existência, de sol, de mundo, de feições geomorfológicas com mata, numa capital de 500 anos, me acertou como um martelo. Olho para o lado, desnorteado, procurando viva alma para me ajudar a conter essa explosão que ameaça destruir tudo em meu peito. As cascas do marasmo, do tédio eterno, paralisador, da ansiedade que finge em vão substituir o dinamismo da energia vital, tentam segurar a onda que cresce, tenciona os músculos querendo extravasar. Me rendo. Liberdade!, eu grito, me despindo da pele de universitário idiota acadêmico analfabeto emocional, enquanto, nu, observo a beleza do mundo naquele instante fenomenal. Tomo o corpo de assalto, com um soluço mal contido, numa revolta. É verdadeiro, é intenso. Faz sentido, e não precisa fazer sentido. É lindo, sinto vontade de chorar. Respiro com força. Choro mesmo, choro de maravilhamento. Porque não conseguiram me matar!, não conseguiram. Ainda estou ali, embaixo de tudo. Ainda pulso, ainda grito, berro. Choro mais. Que sol maravilhoso, que vida maravilhosa, plural, única, diversa, singular, construída, feita de decisões, de maravilhas diárias, de amor, de muito amor, de mais amor que consigo conter em meu peito, ou me permito admitir. Mas naquele momento eu era eu, e eu amava. Eu era eu, o mundo desabrochava, a vida pulava em cada tom do verde geomorfológico do Maciço da Tijuca, do vento que me movia, a beleza que gritava, se anunciando existindo ali o tempo todo, independente se eu tivesse ali para experimentá-la. Mas eu estava nu, era só sentido. Eu estava ali para olhar para beleza extrema da singularidade, chorando. Era vida que pulava em meu peito, executando seus passos de dança particulares, sua dança eterna. Dancei com a vida. Executei os movimentos, gargalhei, chorando ainda. Não vão me levar, canalhas!, gargalhei. Não vão me levar. Eu ainda vivo, eu ainda pulso. Não adianta seus horrores, não adianta seu tédio. Não adianta sua ansiedade, não adianta se enfeiuramento. O mundo é belo. A vida existe, assim como a singularidade. O inesperado, o plural. O desconhecido. O mundo é vasto. Desistam, eu não vou com vocês. Não apequenem. Porque eu tenho certeza. Cada vez que o martelo da vida me acertar, eu vou ter mais certeza. Eu vivo, eu existo, e a beleza também. A beleza vai me guiar para passar por esses campos minados. A beleza vai me proteger da inanição monocromática do tédio massante. Eu vivo, e a beleza é minha liberdade